Noronha da Costa
Jun. 2, 2019

Noronha da Costa

"A atração pelo mar já vem das minhas primeiras obras de juventude"

Noronha da Costa é um dos artistas fundamentais da Arte portuguesa contemporânea.
Arquiteto de formação, cedo revelou grande aptidão para as artes visuais (ainda causam espanto as suas pinturas aos 14 anos) tendo desenvolvido um notável trabalho enquanto pintor, cineasta e fotógrafo.
Expôs individualmente pela primeira vez em 1962 (Lisboa, Paris, Munique) e a sua obra foi alvo de importantes retrospetivas na Fundação Calouste Gulbenkian e no Centro Cultural de Belém. Representou Portugal na Bienal de São Paulo e na Bienal de Veneza. Em 1999 foi-lhe atribuído o Prémio Europeu de Pintura e em 2003 foi agraciado com o prestigiado Prémio AICA.
Noronha da Costa editou com o CPS um conjunto de obras, todas praticamente esgotadas. A propósito destas novas edições conversámos com o artista.

 
O mar e a mulher estão muito presentes na sua obra. Existe uma razão?

O mar e a mulher são elementos extremamente importantes. Dizer Mar e dizer Mulher é a mesma coisa. Portanto, há uma imagística feminina simultaneamente marítima, onde os elementos figurativos são fundamentais.

 

Nas edições anteriores efetuadas com o CPS esses elementos figurativos são uma constante. Que nos pode dizer acerca destas novas edições que refletem sobre a imagem mas sem a necessidade da figura?

Pode-se dizer que há uma depuração que exige essa representação. As expressões anteriores são mais lineares. Apesar de não terem a figura humana estas obras têm uma grande carga poética. A atração pelo mar já vem das minhas primeiras obras de juventude, especificamente românticas, mas o romantismo continua patente na minha obra, a par de outras influências.

 

Estas obras tem também mais ligações ao cinema?

O cinema tem aqui um papel muito importante pois trata-se da imagem em movimento e realmente hoje não se pode passar sem a imagem cinematográfica. Eu pinto imagens de imagens, os meus quadros funcionam como écrans onde é preciso saber olhar. Há um exemplo extraordinário que é o caso da obra-prima de Fritz Lang, Moonfleet ou O Tesouro do Barba Ruiva. Aí tudo se funde, o romantismo, a mulher, há uma sintonia completa com um final completamente trágico. Um eterno filme do romantismo e do amor.

 

No contexto da sua proposta neo-romântica, bem apartada dos tempos atuais, o que gostaria de dizer aos jovens na sua relação com a arte?

Penso que existe hoje uma relação com a arte extremamente importante que remonta a tanta coisa e, se quisermos, de origens muito diferentes. Como tal, quero citar Júlio Verne que se nos apresenta num registo infantil mas com o olhar do homem feito. Creio que esse imaginário seja de leitura mais fácil para os jovens, a quem sugiro que não percam o primado da imaginação. Daí a importância de conviver com Arte. Em Júlio Verne há essa unidade da aventura e da criança. A convivência com o objeto artístico ajuda a manter o olhar que se espanta, esse olhar primordial de criança.

 

Período seguramente marcante, para si.

Até aos dez anos vivi em S. Pedro do Estoril sobre o mar. Influenciado pela minha avó pintava temas de rochas, mar e tempestades. O mar é uma obsessão. O mar português, o mar universal, eu diria que não é o mar do Algarve que é um prolongamento do mediterrâneo. O mar a que me refiro é o mar da costa ocidental, relembrando Júlio Verne, como grande impulsionador da aventura e da descoberta.
Voltando às presentes edições, o que me interessa é como criar uma sinfonia nesses mares e nesses céus.

 

Essa musicalidade liga-o a algum compositor?

Sim, sobretudo ao romantismo alemão e, especialmente, a Mahler. O seu adagietto da quinta sinfonia está sempre presente.

 

Quando pinta a música está presente?

Só por vezes ouço música, nomeadamente Mahler e Brahms, menos Wagner e mais Mendelssohn. Criar é sempre um ato solitário e de silêncio.